O GÊNERO DISCURSIVO DEBATE EM CENA: ARGUMENTAÇÃO, IDEOLOGIA E INTERAÇÃO EM AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA

Autores

DOI:

https://doi.org/10.54221/rdtdppglinuesb.2017.v5i1.121

Palavras-chave:

Gênero discursivo, Debate, Interação, Argumentação, Ideologia

Resumo

O presente estudo objetiva investigar aspectos sociointeracionais, argumentativos e ideológicos do gênero discursivo debate, à luz dos postulados teóricos de Mikhail Bakhtin (2003; 2006). Na perspectiva bakhtiniana, a linguagem é ideológica e dialógica por essência, sendo que a enunciação (interação verbal entre sujeitos sócio-históricos) atualiza a língua por meio dos gêneros discursivos. Nesse sentido, foi nossa intenção: 1.discutiras características fundamentais desse gênero, tomando por base os postulados de Bakhtin (2003), especialmente os relativos aos três pilares do gênero discursivo: estrutura composicional, conteúdo temático e estilo; 2. descrever o contexto sociointeracional no qual o gênero foi produzido; 3. investigar como os estudantes, participantes da pesquisa, utilizaram tanto o sistema linguístico quanto estratégias retóricas para argumentar durante a atividade; 4. analisar como diversas ideologias se materializaram no debate proposto. Para realizar nossos objetivos, realizamos, em aulas de Língua Portuguesa, um debate público regrado deliberativo, dentro de um júri[1]simulado, que envolveu trinta e três participantes, divididos da seguinte forma: uma Juíza, um Oficial de Justiça, uma Conselheira Tutelar, seis casais candidatos à adoção de uma criança abandonada, seis advogados, sete jurados e cinco membros da equipe assistente. O debate, que visava escolher o melhor casal para essa adoção, foi viabilizado por uma sequência didática, sugerida por Dolz e Schneuwly (2011a; 2011b) e colaboradores, e gravado em áudio e vídeo para fins de transcrição. Uma semana após o debate, entrevistamos os seis alunos que foram os advogados (os debatedores), a fim de confirmar algumas informações relacionadas com os argumentos utilizados por eles na atividade. Nossos dados revelam a seguinte estrutura composicional do debate regrado realizado: entrada da juíza, abertura do debate (leitura do processo, seleção dos jurados e instruções), seis turnos de argumentação (cada um composto de argumento inicial, réplica e tréplica), deliberação e veredicto. O conteúdo temático foi bastante controverso, devido aos tópicos discursivos presentes nos perfis dos casais previamente elaborados, os quais trouxeram à tona ideologias, questões identitárias e discursos construídos sócio-historicamente e comuns naquela comunidade, sobretudo valores cristãos evangélicos. Na análise do estilo, investigamos a interrupção, hesitação e marcadores discursivos, fenômenos que conferiram ao debate uma sintaxe própria do texto falado, motivada por demandas enunciativas concretas. A análise da correção e da repetição, que não são típicas da oralidade, revelou, contudo, particularidades nessa esfera, como as funções de promover interação, colaborar com a compreensão do interlocutor, reiterar as regras do jogo, intensificar ideias, servindo também como estratégias argumentativas importantes. A análise dos operadores argumentativos e das funções argumentativas de dois fenômenos do processo de referenciação (recategorização anafórica e encapsulamento anafórico) revelaram que a língua é capaz de argumentar. A argumentação também se deu por intermédio da retórica, mostrando três importantes funções da persuasão: função lógica, função afetiva e função estética. Observamos a utilização de três tipos de argumentos da Nova Retórica, a saber: argumentos quase lógicos, argumentos baseados na estrutura do real e argumentos que visam fundar a estrutura do real. Esta investigação comprova que nenhuma palavra é neutra. Ao contrário, como os indivíduos são sócio-historicamente constituídos, seus discursos são dialógicos, atravessados pela ideologia e pelo ato enunciativo concreto.

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Publicado

30-12-2017