“NÓS” E “A GENTE”: COMPARAÇÃO ENTRE VARIEDADES DO PORTUGUÊS
DOI:
https://doi.org/10.54221/rdtdppglinuesb.2018.v6i1.141Palavras-chave:
A gente e nós, Distinção de gramáticas, Língua portuguesaResumo
A variação no uso dos pronomes de primeira pessoa plural (1PP) no Português do Brasil (PB) e no Português Europeu (PE), “nós” e “a gente”, foi objeto de diversos trabalhos (OMENA, 1986; LOPES, 1999, 2003; PEREIRA, 2003; RUBIO, 2012; SÓRIA, 2013; VIEIRA, 2014, dentre outros). Tendo como base a teoria gerativa, descrevemos e comparamos o uso dos pronomes de 1PP em amostras de fala popular em corpora do PB e do PE. Partimos da hipótese de Namiuti (2012), de que ambos os pronomes, “nós” e “a gente” integram o sistema vernacular brasileiro, ou seja, não competem entre si, sendo a natureza, o comportamento e uso dos pronomes de 1PP no PB diferentes do PE, por ambas as línguas apresentarem um paradigma flexional e sistema de concordância distintos. Contrariamente ao uso de “nós” no PE, em que a função sujeito se associa a verbos flexionados em primeira pessoa do plural ou quarta pessoa do discurso (P4), em variedades do PB o uso do pronome na função sujeito acontece com verbos flexionados na terceira pessoa do singular (P3) e também é utilizado na função de objeto direto e indireto, função não desempenhada pelo pronome no PE que utiliza o pronome clítico "nos" para realizar as funções acusativas e dativas (também em VIEIRA, 2014). Quanto ao uso de "a gente", na comparação dos dados, verificou-se muitas semelhanças, todavia uma diferença a nosso ver relevante é que a concordância com P4 nos dados do PE está na faixa de 24% e nos dados do PB não é atestada no corpus de Vitória da Conquista e corresponde a apenas 4% dos dados de Feira de Santana. O sujeito nulo também possui características que distinguem a gramática do PB da gramática do PE. Diversos trabalhos apontam que no PB, ao contrário do PE, o sujeito costuma ser preenchido, sendo esta uma língua orientada para o tópico discursivo (PONTES, 1981, GALVES 1993, entre outros). Nesse sentido, adotamos uma metodologia de tabulação dos dados que separa sujeito nulo de primeira menção e sujeito nulo de segunda menção. Essa metodologia revelou, considerando os corpora e trabalhos visitados nesta pesquisa, que a morfologia flexional P4 é produtiva nos sujeitos nulos de primeira menção no PE e no PB não existe esta relação. Inferimos, portanto, que, pelo menos em PB, não é possível saber se o sujeito apagado se refere aos pronomes “nós” ou “a gente”. O tempo verbal também mostrou ser um fator importante na preservação da morfologia P4 em PB, comprovando a hipótese de Vieira (2014) de que o presente e o passado perfeito do modo indicativo favorecem a presença do morfema de 1PP (-MOS) no PB, por possuir, como defende Villalva (2003), um paradigma flexional que amalgama as noções de tempo, modo, aspecto, pessoa e número. Fatores como saliência fônica e grau de determinação do referente também se mostraram importantes na caracterização das gramáticas.
Métricas
Referências
ALI, M. S. Grammatica secundaria da língua portuguesa. São Paulo: Companhia Melhoramentos. [s/d]. 325 p.
ALMEIDA, N. L. F.; CARNEIRO, Z. O. N. (Org.). Coleção amostras da língua falada no semi-árido baiano. Feira de Santana: Universidade Estadual de Feira de Santana, 2008.
AULETE, F. J. C. Diccionario contemporaneo da lingua portugueza. Lisboa: Imprensa Nacional, 1881. Disponível em: < http://bibdig.biblioteca.unesp.br/handle/10/26034>. Acesso em 05/03/2017.
BENVENISTE, É. Problemas de Linguística Geral I. Campinas: Pontes, 1988.
BORGES, P. R.S. A gramaticalização de a gente no português brasileiro: análise histórico-social-linguística da fala das comunidades gaúchas de Jaguarão e Pelotas. 2004. 208f. Tese (doutorado em Letras) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2004.
CARVALHO, D. S.; BRITO, D. B. S.; SEDRINS, A. P. Referência de primeira pessoa e anáfora em português brasileiro. Prelo: Revista Virtual de Estudos da Linguagem – REVEL, volume 16, n. 30, 2018.
CAMARA JR, J. M.. Estrutura da língua portuguesa. 363. ed. Editora Vozes, Petrópolis, 2004. Disponível em: <https://ffclm.files.wordpress.com/2013/04/estrutura-da-lc3adngua-portuguesa-joaquim-mattoso-camara-jr.pdf>. Acesso em 15/08/2016.
CHOMSKY, N. Linguagem e mente. São Paulo: Editora UNESP, 2009.
CHOMSKY, N. O Programa Minimalista. Massachusetts Institute of Thecnology – Cambridge, Massachusetts, USA, 1995.
CIPRO NETO, P. Gramatica de língua portuguesa. / Pasquale e Ulisses. São Paulo: Scipione, 1998.
CORDIAL-SIN – Corpus Dialectal para o Estudo da Sintaxe (A. M. Martins, coord.). disponível em < http://www.clul.ulisboa.pt/en/11-resources/313-cordial-sin-corpus-normalized-transcription].
CUNHA, A. G. et. al. Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986.
CUNHA, C. Gramática do português contemporâneo. 6. ed. Belo Horizonte: Bernardo Álvares S/A, 1976.
CUNHA, C. Nova gramática do português contemporâneo. – 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
DUARTE, M. E. L. Do pronome nulo ao pronome pleno: a trajetória do sujeito no português do Brasil. In: Roberts, I.; Kato, M. A. (Org.). Português Brasileiro: uma viagem diacrônica. Campinas: Editora da UNICAMP, 1993.
DUARTE, M. E. L. A perda do princípio “evite pronome” no português brasileiro. 1995. 151f. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade de Campinas, Campinas – SP, 1995.
DUARTE, M. E. L. et al. Geometria de traços e distribuição de pronomes sujeito em PE e em PB. Paper presented at the 3rd Workshop do Projecto PE-PB. Lisboa, September 23-25, 2002.
DUARTE, M. E. L. A evolução na representação do sujeito pronominal em dois tempos (p. 115-128). In M. C. Paiva & M. E. L. Duarte. (Org.). Mudança lingüística em tempo real. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2003.
DUARTE, I. O problema da unificação em Linguística: a resposta generativista. In: MOURA, D.; FARIAS, J. (Org.). Reflexões sobre a sintaxe do português. Maceió: EDUFAL, 2005.
Disponível em: <https://books.google.com.br/books?id=BcTuW_skEe8C&pg=PA15&dq>. Acesso em 21/04/2017.
FERREIRA, A. B. H. Minidicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
FERREIRA, A. B. H Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 4. ed. Curitiba: Positivo, 2009.
FIGUEIREDO, C. Novo Diccionário da Língua Portuguesa. 1913. Disponível em: <http://www.dicionario-aberto.net/dict.pdf>. Acesso em 05/02/2017.
GALVES, C. O enfraquecimento da concordância no português brasileiro. In: ROBERTS, I.; KATO, M. A. (Org.) Português Brasileiro: uma viagem diacrônica. Campinas: Editora da Unicamp, 1993, p. 387-408.
GALVES, C. Ensaios sobre as gramáticas do português. Campinas: Editora da Unicamp, 2001.
GALVES, C. A língua das caravelas: periodização do português europeu e origem do português brasileiro. In: CASTILHO, A; TORRES MORAES, M. A; LOPES, R. V.; CYRINO, S. M. L. (Org.). Descrição, História e Aquisição do Português Brasileiro. Campinas, Pontes, 2007, p. 513-528.
GALVES, C.; PAIXÃO DE SOUSA, M. C.; NAMIUTI, C. Novas perspectivas para antigas questões: revisitando a periodização da língua portuguesa 2005, in: ENDRUSCHAT, A; KEMMLER, R.; SCHAFER-PRIEΒ, B. (Org.). Grammatische Strukturen des Europaischen Portugiesisch. Tubingen: Calepinus Verlag, 2006.
GUIMARÃES, M. Sintaxe Minimalista. In: OTHERO, G. A.; KENEDY, E. (Org.). Sintaxe, sintaxes: uma introdução. São Paulo: Contexto, 2015. p. 27-49.
HOUAISS, A.; VILLAR, M. S. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.
KATO, M.; TARALLO, F. Anything YOU can do in Brazilian Portuguese. In: JAEGGLI, O.; SILVA-CORVALAN, C. Studies in Romance Linguistics. Dordrecht: Foris, 1986.
KENEDY, E. Gerativismo. In: MARTELLOTA, M. E. T. (Org.). Manual de Linguística. São Paulo: Contexto, 2008, v.1, p. 127-140.
KENEDY, E. Sintaxe Gerativa In: OTHERO, G. A.; KENEDY, E. (Org.). Sintaxe, sintaxes: uma introdução. São Paulo: Contexto, 2015.
KROCH , A. Mudança sintática. University of Pennsylvania, 2003.
LIGHTFOOT, D. The development of language: Acquisition, change, and evolution. Malden: Blackwell/Maryland lectures in language and cognition, 1999.
LOPES, C. R. A inserção de a gente no quadro pronominal do português: percurso histórico. 1999. 181f. Tese de Doutorado – UFRJ, Rio de Janeiro, 1999.
LOPES, C. R. A inserção de´a gente´ no quadro pronominal do português. Frankfurt/Madri: Vervuert/Iberoamericana, vol. 18, 2003.
LUCCHESI, D. A constituição histórica do português brasileiro como um processo bipolarizado: tendências atuais de mudança nas normas culta e popular. In: GROβE, S.; ZIMMERMANN, K. (Ed.). “Substandard” e mudança no português do Brasil. Frankfurt am Main: TFM, 1998. p.73-100.
LUCCHESI, D. As duas grandes vertentes da história sociolinguística do Brasil. DELTA, São Paulo, v.17, n.1, p. 97-130, 2001.
LUCCHESI, D. A representação da primeira pessoa do plural. In: LUCCHESI, D.; BAXTER, A.; RIBEIRO, I. (Org.). O Português Afro-Brasileiro. Salvador: EDUFBA, 2009. p. 457-469.
MARTINS, A. M. Clíticos na história do português. Tese de doutorado. Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, 1994.
MARTINS, M. A. Variação e mudança na sintaxe como competição de gramáticas. Revista Investigações, Vol. 22, n. 2, Julho/2009.
NAMIUTI, C. Orientação da pesquisa de VIEIRA, A. S. O. 2012. Dissertação de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Vitória da Conquista, 2014.
NAMIUTI, C. Orientação da pesquisa de SILVA, J. M. J. 2017. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Vitória da Conquista, 2018.
NARO, A. J.; SCHERRE, M. M. P. Sobre o efeito do princípio da saliência na concordância verbal na fala moderna, na escrita antiga e na escrita moderna. In: MOURA, D. (Org.). Os múltiplos usos da língua. Maceió: EDUFAL, 1999, p. 26-37.
OMENA, N. P. de. A referência à primeira pessoa do discurso no plural. In: SILVA, G. M. de O.; SCHERRE, M. M. P. (Org.) Padrões Sociolingüísticos: análise de fenômenos variáveis do português falado na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro: Departamento de Lingüística e Filologia, UFRJ, 1996. p. 185 – 215.
PEREIRA, E. C. Grammatica expositiva. São Paulo: Weiszflog Irmãos, 1907.
PEREIRA, E. C. Gramatica historica. 2. ed. São Paulo: Secção de Obras do Estado de S. Paulo, 1919.
PEREIRA, S. M. B Gramática Comparada de a gente: variação no Português Europeu. 2003. 142p. Dissertação de Mestrado – Mestrado em Linguística Comparada. Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2003.
PERINI, M. A. Gramática descritiva do português. 4. ed. São Paulo: Editora Ática, 2005.
PONTES, E. Da importância do tópico em português. In: Encontro Nacional de Lingüística. V, 1980. Anais. Rio de Janeiro, PUV, 1981.
RIBEIRO, I. O sujeito nulo referencial no português popular brasileiro – século XIX, ms., Universidade Federal da Bahia, 2008.
RIBEIRO, J. Grammatica portuguesa: 3º anno. 3. ed. Rio de Janeiro: Livraria Clássica de Alves & C. , 1889.
RIBEIRO, J. Grammatica portuguesa. São Paulo: Jorge Seckler, 1881.
ROBERTS, I. Verbs and diachronic syntax: a compative history of English and French. Dordrecht: Kluwer, 1993.
RODRIGUES, A. C. S. A concordância verbal no português popular em São Paulo.1987. 259f. Tese (Doutorado em Língua Portuguesa) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1987.
RUBIO, C. F. Padrões de concordância verbal e de alternância pronominal no português brasileiro e europeu: estudo sociolinguístico comparativo. 2012. 392 f. Tese de doutorado – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São José do Rio Preto, 2012.
SANTANA, A. M. B. Nós e a gente: um retrato do Português de Salvador. 2014. 114f. Dissertação de Mestrado (Pós-Graduação em Estudo de Linguagens) – Universidade do Estado da Bahia, Salvador, 2014.
SANTIAGO ALMEIDA, M. M. Dicionário livre da língua portuguesa. São Paulo: Hedra, 2011. 720 p.
SILVA, A. M. Diccionário da língua portuguesa. 4. ed. Lisboa, 1813. Disponível em: <https://books.google.com.br/books?id=GI8MAQAAMAAJ&printsec=frontcover&dq >. Acesso em: 02/03/2017.
SÓRIA, M. V. P. Nós, a gente e o sujeito nulo de primeira pessoa do plural. 2013. 128f. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade de Lisboa, Lisboa, 2013.
TAMANINE, A. M. B. Curitiba da gente: um estudo sobre a variação pronominal nós/a gente e a gramaticalização de a gente na cidade de Curitiba – PR. Tese de Doutorado (Programa de Pós-Graduação em Letras) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2010.
VASCONCELOS, C. M. de. Lições de filologia portuguesa: segundo as preleções feitas aos cursos de 1911/12 e de 1912/13. Lisboa: Edição da Revista de Portugal – Série A – Língua Portuguesa, 1946.
VIEIRA, A. S. O. Nós e a gente: um estudo sobre a sintaxe do Português Brasileiro. 2014. 71f. Dissertação de Mestrado (Programa de Pós-Graduação em Linguística) – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), Vitória da Conquista, 2014.
VIEIRA, A. S. O.; NAMIUTI, C. Um estudo preliminar sobre o “a gente”: origem e uso. Anais do X Encontro do CELSUL – Círculo de Estudos Linguísticos do Sul. UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná Cascavel-PR, 2012.
VIEIRA, A. S. O.; NAMIUTI, C.; LEITE, C. M. B. Revisitando a gramaticalização do “a gente”. VII Seminário de Pesquisa em Estudos Linguísticos. Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Vitória da Conquista, 2012.
VILLALVA, A. Aspectos morfológicos da gramática do português. In: Maria Helena Mateus et al. Gramática do Português. Lisboa: Caminho, 2003. P. 917-983.
VITRAL, L. Structure de la Proposition et Syntaxe du Mouvement en Portugais Brésilien. Thèse de doctorat nouveau régime: Université Paris VIII, 1992.
Downloads
Publicado
Edição
Seção
Categorias
Licença

Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.