O INDEFINIDO “ALGUM” NA FORMAÇÃO DO IPN [N + ALGUM] NA HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA: UM ESTUDO DIACRÔNICO SOBRE A POLARIDADE NEGATIVA NO SINTAGMA NOMINAL

Autores

DOI:

https://doi.org/10.54221/rdtdppglinuesb.2021.v9i1.225

Palavras-chave:

Sintagma nominal; Quantificadores Indefinidos; Polaridade.

Resumo

Esta pesquisa contribui com estudos diacrônicos sobre os indefinidos algum e nenhum na língua portuguesa, partindo do quadro teórico da gramática gerativa. Nossa referência é a pesquisa de Martins (2015, 2016) que analisa os indefinidos negativos no português europeu (PE) em uma perspectiva diacrônica, descrevendo que o indefinido ‘algum’, na estrutura [N + algum], deriva da incorporação do nome e do quantificador indefinido em um núcleo negativo abstrato interno ao DP (Determiner Phrase). Essa incorporação é resultado do movimento do núcleo nominal para o núcleo do sintagma numeral (NUMP) em que, segundo Martins (2015), está o indefinido “algum”, formando o amálgama [N + algum]. Devido essa estrutura sintática, a presença de um complemento nominal ou adjetivo entre o nome e o algum pós-nominal, e a flexão de número seria bloqueada, pois a estrutura se torna um Item de polaridade negativa (IPN), que se comporta como uma palavra invariável, como os pronomes indefinidos “ninguém”/”nada”. Sendo assim, partimos das descrições de Martins (2015), para verificar o fenômeno em outro corpus diacrônico do Português replicando a pesquisa no corpus Tycho Brahe (CTB) e corpus DOViC (Documentos Oitocentista de Vitória da Conquista), conjecturando que: a estrutura [N + algum] não pode ser analisada como um IPN no Português Clássico (PCl), e temos, nos documentos do Português Brasileiro (PB) do século XIX, um comportamento semelhante ao do PCl, em relação às estruturas de inversão dos indefinidos para valorar traço de negação. Nesse sentido, questionamos o status e a natureza da inversão [N + algum] no PCl e no PB do século XIX e a possibilidade de identificar o momento da mudança no tempo. A fim de alcançar respostas, objetivamos, levantar, analisar, descrever e comparar as estruturas formadas com os indefinidos ‘algum’ e ‘nenhum’ em nossos corpora, seguindo os seguintes critérios: posição do indefinido no sintagma nominal; função/posição deste sintagma nominal em relação ao verbo da sentença; existência de marcador de negação antecedendo ou sucedendo o sintagma com o indefinido, e, o valor positivo (não negativo) ou negativo do sintagma nominal. A metodologia da pesquisa para a descrição e análise do fenômeno IPN envolveu a busca automática de dados, através da ferramenta Corpus Search (RANDALL; TAYLLOR; KROCH, 2009), no CTB, com limite temporal que abarca os séculos XVI ao XIX, bem como o uso da ferramenta E-Dictor (PAIXÃO DE SOUSA; KEPLER; FARIA, 2009) e do aplicativo WebSinc (COSTA, 2015) para a pesquisa no corpus DOViC. Por fim, constatamos que os resultados nos levam a concluir que o indefinido “algum”, na posição pós-nominal, nos séculos XVI e XVII, ainda não estava incorporado ao nome, caracterizando um IPN. Não obstante, localizamos pistas nos dados do século XVIII que sugerem a gramaticalização da estrutura [N + algum] como um IPN. Sobre os dados do PB, verificamos que a estrutura no corpus DOViC sempre é atestada com valor negativo e em um contexto de negação independente, o que pode sugerir que o valor negativo seja valorado pela negação superior, junto com a inversão do algum, como no PCl.

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Publicado

20-12-2021